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Interesses ruralistas prevaleceram mais uma vez em 2008
Os desavisados acreditar?o que a queda dos pre?os de produtos agr?colas e que a crise econ?mica mundial determinaram um ano meio desastroso para o agroneg?cio. A despeito do recuo das cota??es internacionais e da desacelera??o de demanda no ?ltimo trimestre de 2008, os interesses classistas dos grandes produtores agropecu?rios do pa?s prevaleceram mais uma vez no ano que terminou. Para al?m de intemp?ries pontuais e setorizadas, os ruralistas confirmaram o seu "favoritismo hist?rico" nos principais embates com outros setores da sociedade como camponeses sem-terra, organiza??es ambientalistas, povos ind?genas e quilombolas.

As cifras do agroneg?cio foram monumentais. A safra 2007/2008 foi recorde: 143,8 milh?es de toneladas, 9,2% maior que a safra anterior de 2006/2007 (131,7 milh?es de toneladas). A ?rea plantada tamb?m cresceu: passou de 46,2 milh?es de hectares na safra de 2006/2007 para 47,4 milh?es de hectares em 2007/2008 - crescimento de 1,2 milh?o de hectares (2,55%), o equivalente ? ?rea total da Reserva Extrativista (Resex) Verde Para Sempre, na foz do Rio Xingu, no Par?. Apenas na safra 2007/2008, a soja se expandiu por mais 3 milh?es de hectares no pa?s - quase o total da ?rea reservada para a Esta??o Ecol?gica da Terra do Meio, tamb?m no Par?.

O Valor Bruto da Produ??o (VBP) em 2008, resultado da multiplica??o total do volume da produ??o agropecu?ria com o ?ndice de pre?o, atingiu o recorde de R$ 298,6 bilh?es, nada menos que 32% mais que em 2007 (R$ 226,6 bilh?es). O Produto Interno Bruto (PIB) do agroneg?cio, que a soma de todas as riquezas geradas pelo setor, superou R$ 691 bilh?es at? outubro de 2008. Somado ? proje??o dos ?ltimos tr?s meses do ano, deve chegar a R$ 698 bilh?es, com um incremento de 8,62%, metade da receita prevista (R$ 1,4 trilh?o) no Or?amento Geral da Uni?o do ano passado.

As exporta??es do agroneg?cio em 2008 tamb?m bateram marca recorde: US$ 71,9 bilh?es. O saldo da balan?a comercial do setor (exporta??es menos importa??es) no ano passado fechou em US$ 60 bilh?es, soma total dos recursos injetados pelo governo brit?nico para ajudar grandes bancos do p?is europeu durante a crise econ?mica mundial.

Essa dinheirama n?o condiz com o conhecido "choror?" dos porta-vozes ruralistas, que sempre apresentam um quadro de "extrema gravidade" para convencer o governo e a opini?o p?blica da necessidade "incontorn?vel" de mais um pacote de "bondades oficiais" ao setor.

Ou seja, mais uma vez est? sendo criado um cen?rio para que, depois da apropria??o dos lucros, os preju?zos sejam socializados. "Hoje em dia, o que vem ocorrendo no campo brasileiro ? a preval?ncia, com o apoio da pol?tica p?blica federal, do agroneg?cio, que nada mais ? do que o avan?o do capitalismo no campo", define o economista Jos? Juliano de Carvalho, professor aposentado da Faculdade de Economia e Administra??o da Universidade de S?o Paulo (FEA-USP) e diretor da Associa??o Brasileira de Reforma Agr?ria (Abra).

As quebras de recordes no lado econ?mico vieram acompanhadas da desenvoltura da elite agropecu?ria na arena pol?tica. Dos 513 deputados federais eleitos para o mandato do in?cio de 2007 at? o final de 2011, 104 poderiam ser identificados como ruralistas, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Tamb?m n?o faltam defensores do ide?rio dos fazendeiros no Senado. "A id?ia de vincula??o com o setor agr?cola ? simp?tica para boa parte das bases eleitorais dos parlamentares", explica Ant?nio Augusto de Queiroz, analista pol?tico do Diap.

Em marcha
N?o por acaso, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, se escorou nos parlamentares ruralistas na tentativa de promover mudan?as a f?rceps para afrouxar as exig?ncias do C?digo Florestal, ? revelia de organiza??es n?o-governamentais (ONGs) ambientalistas e at? do Minist?rio do Meio Ambiente (MMA). A redu??o da Reserva Legal (que n?o pode ser devastada) de 80% para 50% nas propriedades da Amaz?nia Legal foi um dos poucos sonhos que o agroneg?cio brasileiro ainda n?o conseguiu concretizar.

Contudo, o bloco congressista pr?-fazendeiros continua se esfor?ando para derrubar limites ? sua expans?o. Aprovado ainda em novembro de 2007 na Comiss?o de Agricultura da C?mara, o Projeto de Lei 6.424/2005, do deputado Flexa Ribeiro (PMDB-PA), que estabelece justamente a oficializa??o da Reserva Legal dos 50% e ainda permite o plantio de esp?cies ex?ticas para complementar essa por??o m?nima, tramita agora na Comiss?o de Meio Ambiente da Casa. O deputado Jorge Khoury (DEM-BA) j? apresentou parecer favor?vel e a proposta, apelidada de "Floresta Zero" pelos ambientalistas, est? pronta para vota??o. O Greenpeace mant?m inclusive uma campanha espec?fica - Meia Amaz?nia N?o - contra a aprova??o da mat?ria.

Mudan?as na lei que liberaram a contrata??o sem assinatura de carteira para trabalho de curto prazo no meio rural, que facilitaram a aliena??o de terras p?blicas de at? 1,5 mil hectares na Amaz?nia e instru??es normativas que impuseram mudan?as ao processo de reconhecimento de comunidades quilombolas vieram a p?blico ao longo do ano. Entretanto, muito mais do que bloquear vota??es de repercuss?o nacional como a da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 - que determina o confisco da terra onde houver trabalho escravo -, a agenda ruralista foi confirmada em muitos outros flancos que n?o estiveram t?o em evid?ncia.

Historicamente, a Comiss?o de Agricultura da C?mara foi um dos espa?os mais utilizados para dar propuls?o ? agenda ruralista. N?o foi diferente em 2008. Articulados por meio da Frente Parlamentar da Agropecu?ria, deputados federais que simpatizam com a causa dos fazendeiros compuseram uma trincheira nos principais debates que envolveram o setor. Entre os pares da comiss?o, o deputado Lu?s Carlos Heinze (PP-RS) esbanjou sinceridade: "Quem est? gerando riqueza nesse pa?s", diz ele, "est? sendo varrido de cima de suas propriedades: primeiro pelos bancos, segundo pela carga tribut?ria e agora pelos ambientalistas (...) e tamb?m pelo pessoal do Minist?rio do Trabalho". Ele foi ainda mais longe na sua explana??o (ou?a trecho). "Aqui em Goi?s, e at? isso acontece, os caras tiveram que matar um fiscal, de t?o acuado que estava esse povo... O cara n?o ag?enta mais. Pelo amor de Deus!", disse. "A sociedade brasileira tem que estar do lado da gente que produz".

Presidente da Frente da Agropecu?ria, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) sintetiza o que pensam os ruralistas em texto divulgado no site da entidade. No artigo "O Brasil da comida na mesa ou do meio ambiente utopicamente preservado", o parlamentar retoma a dicotomia e repisa a velha f?rmula: a op??o nacional deve ser pela produ??o ou pela produ??o?

"Concretizadas as restri??es da atual legisla??o e as ?reas de conserva??o da biodiversidade, a disponibilidade de terras agricult?veis ser? de apenas 23%, ou seja, em torno de 250 milh?es de hectares. A conclus?o ? que a atividade agropecu?ria e muitas ?reas urbanas est?o sobre ?reas de preserva??o permanente ou reservas legais, segundo os conceitos da legisla??o ambiental vigente no Brasil", observa. De quebra, ele d? a receita: "O Congresso Nacional precisa dialogar com a sociedade e elaborar a Lei do C?digo Ambiental Brasileiro de diretrizes gerais e dar aos estados federativos a incumb?ncia de realizar tecnicamente, dentro de suas especificidades, o seu c?digo ambiental estadual, com a implanta??o do zoneamento econ?mico-ecol?gico, no uso restrito de conceitos t?cnicos e cient?ficos".

Or?amento e projetos
A for?a da bancada ruralista pode ser traduzida em "fa?anhas". Autor de um corte de cerca de R$ 10 bilh?es no Or?amento Geral da Uni?o, o senador Delc?dio Amaral (PT-MS), que relatou o projeto, n?o deixou de atender aos anseios do grupo e dobrou (de R$ 1,5 bilh?o para R$ 3 bilh?es) a dota??o para o programa de garantia dos pre?os de produtos agr?colas. As emendas da Comiss?o de Agricultura ? Lei de Diretrizes Or?ament?rias (LDO) tamb?m foram religiosamente aprovadas.

A compara??o do pronto-atendimento da demanda com a execu??o or?ament?ria dos programas de reforma agr?ria em 2008 ? inevit?vel. De acordo com levantamento do Instituto de Estudos Socioecon?micos (Inesc), foram executados apenas 44,24% (R$ 732,2 milh?es) do or?amento de R$ 1,65 bilh?o destinado ao Minist?rio do Desenvolvimento Agr?rio (MDA) para garantir a??es que favorecem o acesso e a fixa??o ? terra dos brasileiros mais desprovidos. Dos R$ 132,7 milh?es previstos para a a??o em si e para a operacionaliza??o do Programa de Aquisi??o de Alimentos (PAA) da Agricultura Familiar, apenas R$ 1 milh?o foi executado, ou seja, apenas 0,75%.

Al?m dos benef?cios econ?micos, o bloco ruralista aprovou uma s?rie de projetos na Comiss?o de Agricultura para demarcar posi??o pol?tica. Em mar?o de 2008, os deputados da comiss?o aprovaram um projeto de decreto legislativo (PDC 393/2007) que susta decreto presidencial que homologou a Terra Ind?gena (TI) Apyterewa, em S?o F?lix do Xingu, no Par?, um dos munic?pios recordistas em desmatamento ilegal e cria??o de bovinos.

Outros tr?s projetos de decreto legislativo que pretendem invalidar portarias de demarca??o de territ?rios de povos ind?genas foram aprovados na mesma inst?ncia: o PDC 70/2007, referente ? TI Cachoeirinha, nos munic?pios de Aquidauana (MS) e Miranda (MS); o PDC 475/2008, relativo ? TI Batel?o, em Juara, Tabapor? e Nova Cana? do Norte, no Mato Grosso; e o PDC 480/2008, que susta os efeitos da Portaria do Minist?rio da Justi?a de demarca??o da TI Ibirama La-Klan? ou Duque de Caxias, em Santa Catarina.

Faz parte ainda do rol de propostas aprovadas de acentuado car?ter pol?tico o projeto de decreto legislativo (PDC 616/2008) que flexibiliza a defini??o de ?reas de Prote??o Permanente (APP) estabelecida pela Resolu??o n? 303 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Outra mat?ria controversa que passou na Comiss?o de Agricultura foi o projeto de lei (PL 346/2007), que cria??o do Sistema Nacional de Cadastro para o Programa de Reforma Agr?ria (Sinpra) e do Conselho Deliberativo de Gest?o do Sistema Nacional de Cadastro para o Programa de Reforma Agr?ria (Gesinpra), que estabelece crit?rios para a sele??o de fam?lias contempladas e exclui pessoas que j? tenham participado de ocupa??o de terras ou pr?dios p?blicos. O PL 346/2007 tramita na Comiss?o de Constitui??o e Justi?a (CCJ) em car?ter terminativo - se for aprovado, n?o precisar? ir a plen?rio e seguir? diretamente ao Senado.

Outros dois projetos de lei introjetam iniciativas t?picas do Poder Executivo e foram referendadas pela Comiss?o de Agricultura da C?mara: o PL 78/2007, que molda a defini??o dos ?ndices de produtividade mais aos interesses ruralistas, e o PL 3082/2008, que reabre o prazo para as ratifica??es de concess?es e aliena??es de terras feitas pelos Estados em faixa de fronteira, para assegurar o interesse de fazendeiros.

De todas as mat?rias aprovadas na comiss?o, uma das que encontram mais resist?ncia entre os movimentos sociais ? o projeto de lei (PL 490/2007), do deputado Homero Pereira (PR-MT), presidente licenciado da Federa??o da Agricultura e Pecu?ria do Estado de Mato Grosso (Famato), que altera o Estatuto do ?ndio, fazendo com que as demarca??es de terras ind?genas sejam obrigatoriamente aprovadas pelo Congresso Nacional. A mat?ria est? na Comiss?o de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), sob responsabilidade de relatora Iriny Lopes (PT-ES).

CNA
A Confedera??o da Agricultura e Pecu?ria (CNA), entidade patronal que representa os pesos-pesados do setor, recebeu amparo do governo federal nas suas propostas ligadas ao agroneg?cio exportador. Para a safra 2008/2009, o Tesouro Nacional antecipou prontamente R$ 5 bilh?es em cr?ditos para que o Banco do Brasil ajudasse os grandes produtores. De junho a dezembro do ano passado, o banco estatal emprestou R$ 18,3 bilh?es ao setor, 37,5% mais que no mesmo per?odo do ano anterior. Para bancar todo o Programa Bolsa Fam?lia, que atende mais de 40 milh?es de pessoas, o Executivo destinar? R$ 11,9 bilh?es, dois ter?os do cr?dito aos fazendeiros.

Ant?nio, do Diap, ressalta que os interesses ruralistas avan?am aceleradamente quando coincidem com a agenda do governo federal, como no caso do incentivo ?s exporta??es e no tema do etanol. No entanto, ele pondera que a bancada ruralista, em si, n?o tem obtido o ?xito completo e absoluto em negocia??es de ren?ncias fiscais e de anistia de d?vidas como no passado. Isso n?o quer dizer que a "fatura" dos ruralistas em vota??es importantes continuem sendo "pagas" pelo Planalto, mas que houve ?pocas em que esse atendimento de demandas era mais autom?tico e inquestion?vel. De fato, a quest?o da d?vida agr?cola - mesmo depois da edi??o da Medida Provis?ria 432, convertida na Lei 11.775/2008 - n?o foi o bastante para contentar os produtores (veja pr?xima mat?ria que far? parte do Balan?o 2008).

Na vis?o do analista do Diap, o deslocamento da senadora K?tia Abreu (DEM-TO) para a presid?ncia da CNA ? um ind?cio da tentativa de revigorar o bloco ruralista. Para ele, a expoente ruralista optou por formar uma trincheira na entidade, em vez de ampliar a atua??o em outros espa?os, abrindo caminho para o fortalecimento de novas lideran?as.

Em seu discurso de posse na CNA, em dezembro de 2008, K?tia Abreu se esfor?ou para defender a sua tese de "afirma??o" com rela??o ao papel da agropecu?ria para a sociedade brasileira e de "ruptura" ? "imagem injusta" de "prot?tipos do atraso, da fortuna injusta, da propriedade usurpada e do poder feudal". "Ao lado dos meus aliados do mundo rural, pretendo mudar a cabe?a do fazendeiro e, assim, mudar a imagem negativa que a sociedade ainda tem dos produtores, vistos por muitos, de forma equivocada, como eternos dependentes de favores financeiros do governo e sistem?ticos descumpridores da legisla??o trabalhista", sustentou a senadora em artigo publicado em jornal.

No ato da posse, a senadora apresentou projetos que pretende aplicar na dire??o da CNA, como os de capacita??es em legisla??o ambiental e trabalhista, no que ela chamou de "choque de globaliza??o". Sem deixar de enfatizar os n?meors do agroneg?cio - 24% do Produto Interno Bruto (PIB), 36% das exporta??es e cerca de 37% da for?a de trabalho -, K?tia Abreu se queixa do tratamento recebido do poder p?blico. "Qual a propor??o da retribui??o do Estado ao setor agropecu?rio? Nem um d?cimo do valor de t?o espantosa participa??o na economia".

Coloniza??o
Na avalia??o de final de ano da entidade, o ano de 2008 foi caracterizado como um "ano de extremos", em que a quebra de recordes coincidiu com quedas de pre?os de commodities e demandas, al?m de "temas que trouxeram preocupa??o ao produtor rural": como as tentativas do governo de restringir empr?stimos a propriet?rios em conflito da legisla??o ambiental e a dificuldade de contrata??o de cr?dito para o financiamento da safra 2008/2009.

"De positivo, pode-se comemorar a melhoria na aprova??o de eventos na ?rea de biotecnologia. Atravancadas por demandas judiciais e a preval?ncia de posturas ideol?gicas, o setor acompanhou com grande expectativa as decis?es de aprova??o de novos eventos transg?nicos para o milho e algod?o e de pesquisa para o arroz e a soja", celebra relat?rio da CNA.

Mesmo o maquin?rio (colheitadeiras, pulverizadores, tratores etc.) arrestado pelos bancos das f?bricas no final de 2008 j? vem sendo devolvido individualmente aos produtores que n?o conseguiram quitar suas parcelas de financiamento. A Famato, que faz parte da CNA, conseguiu a aprova??o na Justi?a de uma liminar que pedia a exclus?o de mais de 12 mil nomes de fazendeiros do Mato Grosso fosse exclu?da da lista de inadimplentes de ?rg?os de prote??o ao cr?dito, como Serasa, Cadim e SPC.

No contexto de globaliza??o do capital financeiro, de dom?nio das multinacionais e da nova divis?o do trabalho, avalia o experiente professor Jos? Juliano, o Brasil - sob a ?gide dos governos desde Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luiz In?cio Lula da Silva - est? aceitando um lugar na periferia do sistema como produtor de mat?rias-primas. "Com as diferen?as de hoje, evidentemente, mas se trata do modelo prim?rio-exportador de antes. ? uma nova forma de coloniza??o".

Fonte: Reporter Brasil

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